domingo, outubro 23, 2005

Há vários protótipos de vacinas contra a gripe das aves em desenvolvimento

Clara Barata
Cientistas pedem que a população tome a vacina normal contra a gripe, para as farmacêuticas prepararem linhas de produção em grande escala
A vacina normal contra a gripe não funciona contra a gripe das aves, e não há nenhuma vacina apropriada contra o vírus H5N1, embora a Hungria tenha anunciado esta semana que um protótipo de vacina é "100 por cento eficaz". Com a ressalva de que nenhuma vacina se pode gabar de ser totalmente eficaz, o certo é que vários países e empresas estão a elaborar vacinas experimentais, e algumas estão já a fazer ensaios em humanos. Não é possível dizer se serão mesmo eficazes quando surgir uma variante do H5N1 capaz de se transmitir entre seres humanos, mas há países, como a Hungria ou a Austrália, que estão até a prometer vacinar todos os cidadãos. A União Europeia, por seu lado, está a tentar simplificar as regras de aprovação de vacinas.Uma empresa holandesa está a desenvolver uma vacina contra o H5N1 para humanos e também para aves; o ministro da Saúde da Alemanha anunciou que, até ao final do ano, o país deverá terminar um protótipo de vacina; Estados Unidos, Reino Unido, China, Canadá, Austrália, Japão, Tailândia e Vietname são outras nações que anunciaram estar a trabalhar em vacinas que possam conferir alguma protecção contra a gripe das aves. O director executivo da Agência Europeia dos Medicamentos, Thomas Lonngren, diz que se está a acelerar o processo de aprovação de uma vacina contra o vírus H5N1, quando esta surgir - o que talvez possa acontecer no início da época da gripe do ano que vem, disse à agência Reuters.A maior dificuldade em criar uma vacina contra o H5N1 está em que ainda não assumiu as características que o podem tornar epidémico, passando de pessoa para pessoa (agora, as pessoas só são infectadas através do contacto com fezes ou sangue de aves infectadas). Os vírus estão em constante mutação, o que faz com que a capa que o envolve - que é como uma casaca cheia de enfeites - esteja sempre a mudar de aspecto. Por isso, uma vacina preparada para ensinar as células do sistema imunitário a reconhecer o vírus de hoje provavelmente não será eficaz quando ele se tornar capaz de se transmitir entre seres humanos, pois os seus enfeites superficiais serão diferentes.Preparar a crise futuraMas é possível que as vacinas em que os cientistas agora estão a trabalhar confiram alguma protecção, que poderia ser reforçada com uma dose posterior ou com uma substância que potenciasse a sua acção (um adjuvante). A Agência Europeia do Medicamento poderá vir a aceitar previamente pedidos de autorização da comercialização de vacinas, que poderão ser actualizados mais tarde, quando surgir uma estirpe epidémica. "A ideia é preparar tudo para que as empresas farmacêuticas já tenham autorizações de comercialização", explicou Thomas Lonngren."Estamos a testar uma vacina baseada no vírus da gripe das aves que actualmente infecta os humanos. Se começasse a haver transmissão de pessoa a pessoa com um vírus semelhante, seria relativamente fácil produzir mais. Mas se o vírus tiver antigénios [os enfeites à superfície] diferentes, levará o seu tempo", explicou ao jornal "The Washington Post" John Treanor, um dos principais investigadores do projecto de uma vacina contra o H5N1 financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.A empresa Sanofi-Pasteur já fez alguns ensaios clínicos. Mas os resultados mostram que seriam necessárias doses muito mais elevadas do que o normal para desencadear uma resposta imunitária (90 microgramas de vírus morto, contra os 15 a 45 microgramas das vacinas para a gripe comuns). Esta vacina foi testada sem um adjuvante, mas a maior parte dos países não tem legislação que autorize o uso destas substâncias nas vacinas da gripe, pelo que este é um dos obstáculos burocráticos a ultrapassar, diz a revista "Nature."Produção é lentae feita em ovosMas o facto de ser necessária uma dose grande significa que a produção das vacinas seria ainda mais lenta que o habitual. Não seria possível produzir mais do que 75 milhões de doses por ano, diz a revista "New Scientist". O método de produção das vacinas é moroso: implica injectar duas estirpes diferentes de vírus em ovos de galinha fertilizados: uma versão "selvagem", que causa doença, e uma modificada em laboratório, menos agressiva, que prolifere bem nos ovos. O que se espera é que os dois se recombinem num vírus que possa ser usado numa vacina. Isto leva muito tempo, e há agora tentativas de utilizar uma nova técnica, denominada genética inversa, para recombinar os dois tipos de vírus em laboratório, sem ter de usar os ovos de galinha como intermediários. Mas esta técnica está protegida por patente, e para fazer experiências com ela é preciso pagar à empresa que a detém, pelo que este é outro obstáculo que está a atrasar o desenvolvimento de vacinas.Outra questão é a capacidade de produção de vacinas: grande parte das fábricas (70 por cento) está na Europa, e têm uma capacidade limitada de produção. Por isso, peritos em saúde pública têm apelado à vacinação com a vulgar vacina da gripe este Inverno, para que o aumento da procura permita às farmacêuticas ir aumentado a sua capacidade de produção. Os governos europeus devem garantir que pelo menos um terço da população se vacina este Inverno, alertou Albert Osterhaus, da Universidade Erasmus de Roterdão, na Holanda, secretário do Grupo de Trabalho Científico Europeu sobre a Gripe. Não é que a vacina normal proteja contra a gripe das aves, mas isto permite que as farmacêuticas tenham uma linha de produção preparada para libertar grandes quantidades de vacinas, o mais rapidamente possível, no momento em que o H5N1 se tornar epidémico. "O perigo do bioterrorismo, hoje em dia, vem da natureza", disse Osterhaus à agência AP, apelando ao investimento dos governos europeus em protótipos de vacinas (Publico)