terça-feira, novembro 08, 2005

A gripe que assusta o mundo

Lena Castellón e Mônica Tarantino

Mais um medo ronda o planeta. Aos terremotos, desastres climáticos e ameaças terroristas se junta a gripe aviária, doença causada por um vírus que vem se alastrando pela Ásia e recentemente pela Europa. Na semana passada, o problema foi detectado em mais dois países, Grécia e Rússia. Como se isso não fosse suficiente para atemorizar governos e populações, também foi anunciada a 61ª vítima fatal entre os 118 casos de contaminação humana registrados desde que os surtos começaram a se propagar, em dezembro passado. No corpo de um fazendeiro tailandês de 48 anos, morto na quarta-feira 19, foi encontrado o vírus responsável pelo alerta: o Influenza do subtipo H5N1. Dar o nome completo do inimigo é necessário. Existem várias linhagens de Influenza habitando os organismos das aves e elas eventualmente resultam em epidemias graves. Porém o H5N1, responsável pelo extermínio de milhares de frangos, patos e perus, está causando mais estragos do que se poderia imaginar quando foi identificado em 1997, na China. Ele parecia estar sob controle até que ressurgiu com força em 2003 na Coréia, depois na Tailândia, no Vietnã e assim vem desenhando uma trilha de destruição. Hoje, autoridades sanitárias do mundo receiam que o H5N1 se combine com outros tipos de Influenza presentes no organismo humano. Ou seja, se um portador do vírus da gripe for contaminado pela ave doente, cria-se assim uma situação propícia para mutações. Caso surja essa nova cepa, teme-se que ela seja tão agressiva que possa atingir cerca de um terço do planeta e matar milhões de pessoas, nos moldes da famosa gripe espanhola. Não é uma suspeita infundada. De tempos em tempos, acontecem epidemias de Influenza. Ou melhor, pandemias – o termo correto quando se trata de um mal de proporções mundiais. Especialistas avisam há anos que uma supergripe está para eclodir e muitos acreditam que ela virá a partir de um vírus aviário. “As chances de ocorrência de pandemia com o H5N1 são muito grandes”, afirmou a ISTOÉ Nancy Cox, do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos. Mas há controvérsias. “Agora é o período de gripes no Hemisfério Norte. Mas eu não creio que a pandemia acontecerá nesta temporada porque a recombinação dos vírus demora um certo tempo e não existe certeza de que ocorrerá”, pondera Luiz Jacintho da Silva, infectologista da Universidade de Campinas (SP). Para o decano professor americano Edwin Kilbourne, um dos maiores entendidos no tema, há um medo exagerado no ar. Segundo ele, quando os vírus se tornam mais transmissíveis, freqüentemente se tornam menos letais. Independentemente das divergências entre especialistas, só não resta dúvida de que a supergripe virá um dia.
Ante esse risco, portanto, não se pode ficar de braços cruzados. A Organização Mundial de Saúde (OMS) fez este ano uma série de recomendações às nações. Cabe aos governos adotar medidas que evitem que o perigo atual vire uma hecatombe mais para a frente. Na semana passada, o Brasil anunciou parte do plano que está montando para enfrentar a pandemia. O Instituto Butantan, de São Paulo, receberá amostras do H5N1 em novembro e fabricará uma vacina a partir delas. Por ora, ela não tem aplicação direta, pois no País não há gente – nem criação de aves – contaminada pela gripe do frango. O trabalho é para testar o domínio da tecnologia e reduzir o tempo de produção da vacina, um cuidado fundamental se for necessário fazer uma vacinação em massa. “O Brasil está se antecipando. Estamos nos mobilizando da compra de estoques de remédios ao cálculo de custos hospitalares adicionais. Desde que assumi até já sonhei com essa gripe aviária”, diz o sanitarista José Saraiva Felipe, empossado ministro da Saúde em julho.
Remédio – O Ministério também adquiriu do laboratório Roche, por R$ 139 milhões, um lote de nove milhões de kits de tratamento do antiviral Tamiflu, que está sendo comprado aos montes por diversos governos. Em alguns países, a empresa aceitou ceder a outras companhias o direito de fabricar o produto. Esse remédio e também o Relenza (da Glaxo Wellcome), que não chegou por aqui, inibem a ação de uma enzima na superfície do Influenza, impedindo que ele se multiplique e avance sobre outras células. Nem por isso deve-se abusar dessas substâncias e tampouco fazer estoques pessoais. Segundo o infectologista Luiz Barata, infectologista do Hospital Emílio Ribas (SP), há outras razões que desaconselham a armazenagem caseira: o preço do produto (em média R$ 139 nas farmácias), a falta de estudos que provem que ele atua bem contra a gripe aviária e a possibilidade de ser mal usado. “O corpo cria resistência a antivirais. Quem estiver doente, deve procurar o especialista”, orienta Nancy Bellei, pesquisadora de vírus respiratórios da Universidade Federal de São Paulo. O que mais pode fazer o cidadão comum? Manter-se informado. Acostumado a conviver com gripes, o estudante paulista Ricardo Brednarek, 20 anos, usa a internet para se informar. “Esse vírus que tem matado as aves me preocupa mesmo. Eu sou um alvo fácil”, argumenta. Para o inglês Jack Woodall, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, não há motivo para pânico. “Há muita confusão. Até o momento, não se confirmou a contaminação de um ser humano para outro. Também há enganos sobre a rota das aves migratórias. As da Ásia, por exemplo, não migram para cá”, explica. No mundo, o monitoramento do percurso dos pássaros é fundamental para vigiar a progressão da gripe aviária. Nesse item, há uma notícia alentadora para os brasileiros. Desde 2004, pesquisadores da Universidade de São Paulo vigiam principalmente patos silvestres para verificar se o H5N1 chegou ao País. A resposta é não. Se o problema atingir os EUA, há chance de o subtipo desembarcar aqui. Isso porque milhares de pássaros migram da América do Norte para a porção sul do continente.
Criadores – Na opinião de Érico Pozzer, vice-presidente da União Brasileira de Avicultores, a chegada do vírus não será um problema, pois no País 95% das aves estão confinadas em criadouros. Ao menos nos grandes, as aves ficam em recintos fechados e funcionários vestidos da cabeça aos pés são desinfectados na entrada e na saída. O risco maior está nas propriedades mais simples do interior do Brasil, onde o manejo é direto. Não se deve menosprezar esses lugares. A história mostra que o convívio muito próximo com os animais é um verdadeiro estopim. Na província de Guangdong, no sul da China, onde nasceram muitas epidemias (caso da Sars, a doença respiratória que surgiu em 2003 e matou cerca de 800 indivíduos), as pessoas dormem com as galinhas. Não é força de expressão. A falta de espaço para abrigar as populações – de gente e de frango – faz com que as duas espécies dividam moradias. O mundo está percebendo que a manutenção da pobreza traz dramáticas conseqüências (Isto É)