terça-feira, dezembro 20, 2005

Há um novo possível vírus pandémico da gripe e não há tempo para fechar os olhos

É preocupante que poucos países estejam preparados para uma eventual pandemia de gripe, porque todos correrão o mesmo risco. O director do programa de gripe da Organização Mundial de Saúde não tem dúvidas: "O vírus vai tornar-se global em três a cinco meses." Por Catarina Gomes O director do programa de gripe da Organização Mundial de Saúde (OMS), Klaus Stohr, rejeita acusações de estar a ser criado alarme social em torno de uma eventual pandemia de gripe humana com origem aviária. Entrevistado durante uma recente passagem por Lisboa, é categórico quando diz que "não há tempo para fechar os olhos". Reclama dos diversos governos acção urgente e planos de contingência efectivos. Diz ainda que a corrida dos cidadãos às farmácias é desnecessária.PÚBLICO - A Organização Mundial de Saúde foi acusada pela Organização Mundial de Saúde Animal de gerir mal a crise da gripe das aves, causando alarmismo desnecessário. Como responde a esta crítica?KLAUS STOHR - Não acredito que estejamos a ser demasiado dramáticos. A urgência que pomos nas nossas mensagens assenta em evidência científica. Em cada século há três ou quatro pandemias de gripe. Houve uma grande há cerca de 100 anos e morreram entre 40 a 50 milhões de pessoas, quando tínhamos um terço da população actual. Há um novo possível vírus pandémico da gripe em circulação na Ásia e não há tempo para complacência, não há tempo para fechar os olhos. É nossa obrigação acordar o mundo para a possibilidade de uma nova pandemia. Mas têm circulado versões diferentes de possíveis números de mortes em caso de pandemia. O coordenador das Nações Unidas para a área da gripe, David Nabarro, falou em 150 milhões de mortes, o senhor refere dois a sete milhões... David Nabarro não é da OMS, é das Nações Unidas. A OMS tem sido muito consistente: se for uma pandemia moderada, teremos dois a sete milhões de mortes, até 28 milhões de pessoas hospitalizadas e centenas de milhões que ficarão doentes. Acreditamos que estes números são suficientemente preocupantes para levar os governos a investir na preparação. Todos os cenários acima de uma pandemia moderada são possíveis.Estão a tentar alertar governos mas a vossa mensagem também chega ao cidadão comum, que nalguns países corre às farmácias para comprar antivirais ou vacinas para a gripe sazonal.Nas circunstâncias actuais - em que existe risco pandémico mas não há pandemia - há poucas razões para o indivíduo ir à farmácia comprar Tamiflu (antiviral) ou outras drogas. É desnecessário porque não sabemos que grupo etário vai ser afectado: se for um vírus como o de 1918, as pessoas mais afectadas terão entre 25 e 45 anos; podem ser os idosos... O armazenamento de antivirais por parte dos governos é a melhor forma de assegurar que a quantidade limitada de drogas vai estar disponível para os mais afectados.A Agência Europeia para a Segurança Alimentar lançou um alerta sobre o risco de comer ovos crus. Qual é a mensagem da OMS em relação à ingestão de carne de aves e seus derivados?A doença é animal e apenas foi detectada em três pequenas áreas delimitadas em países da Europa oriental, na Roménia, Croácia e Turquia. Não há uma única galinha doente em Portugal, Espanha ou em países comunitários, por isso os ovos também deverão estar em boas condições. Toda a gente pode continuar a apreciar galinha, pato, peru. É uma doença animal, morreram 150 milhões de galinhas.Morreram mais de 60 pessoas na Ásia...Centenas de milhares de pessoas foram expostas e o vírus é de difícil transmissão para humanos. É uma doença animal com potencial para se tornar numa doença humana.Quando é que isso pode acontecer?Muitas pessoas têm seguros de vida, seguros automóvel, seguros contra fogo. É como perguntar quando será o próximo fogo na sua casa. Ninguém sabe, mas tem-se seguro. Apenas cerca de 50 em 220 países têm planos de contingência para uma pandemia de gripe. Este número é insuficiente...Existem no mundo 250 países e territórios, menos de 50 têm planos de contingência publicados. Há mais de 100 países que reportam tê-los, mas os que dispõem de alguma coisa de tangível são menos de 50.A maior parte dos países com planos de contingência são desenvolvidos.Ainda não vi um plano de contingência publicado de um país em desenvolvimento, incluindo na Ásia.Isso é preocupante, uma vez que é provável que a pandemia tenha origem na Ásia.Que tenha origem na Ásia, nos Estados Unidos ou na América do Sul não tem importância - o vírus vai tornar-se global em três a cinco meses. O que é preocupante é que tão poucos países estejam preparados, porque todos correrão o mesmo risco de ser afectados por um vírus pandémico global. Mas não nos podemos esquecer que dois terços da população mundial vive na Ásia: só a China e a Índia perfazem 2,5 mil milhões de pessoas e o seu grau de preparação de risco pandémico está longe de ser ideal.Há lições a tirar da crise da pneumonia atípica vivida em 2003? O Governo chinês ocultou dados e isso fez parte do problema.A China aprendeu muito durante o período da pneumonia atípica. Hoje existe uma colaboração muito próxima e transparente com as autoridades chinesas, mas é um país muito grande, com mais de 30 províncias, muitas com uma população maior que a França ou Itália. O importante é que cada caso suspeito seja investigado muito depressa. E este processo melhorou muito, não só na China mas também no Camboja, na Indonésia e no Vietname.A capacidade de produção da futura vacina contra um eventual vírus pandémico da gripe é muito limitada. Devem os vários Estados começar a produzir vacinas? Talvez a pergunta a colocar seja: "O que é que o mundo e os governos podem fazer para encurtar o período de tempo entre a disponibilização da vacina para o vírus pandémico e a procura?" A procura seria de quase 6,4 mil milhões de doses em três meses, porque é este o período que o vírus pandémico levará para chegar a todos os continentes, não a todos os países. A estimativa actual é a de que serão precisos oito meses para produzir 900 milhões de doses de vacina pandémica, mas estes oito meses são desde o início da produção até estas doses estarem concluídas. Não haverá vacinas para todo o mundo e mesmo nos países mais desenvolvidos nem toda a gente terá acesso a ela.Como se resolve este problema?A produção de vacina obedece às forças do mercado. Uma forma de aumentar a capacidade de produção seria aumentar o uso do número de vacinas para a gripe sazonal. E uma forma muito inteligente de aumentar a disponibilização de vacinas é desenvolver as chamadas vacinas inteligentes.O que são vacinas inteligentes?São as que fazem melhor uso do número limitado de antigénios. Pode produzir-se certa quantidade de líquido de vírus e tentar diluí-lo e ter o mesmo efeito, podendo vacinar-se três pessoas e não apenas uma. É isto que a Organização Mundial de Saúde tem aconselhado aos laboratórios. Há vários que desenvolveram estas vacinas inteligentes mas nenhum terminou a fase de ensaios clínicos. É tudo um pouco remoto. A realidade é que haverá poucas vacinas para o mundo.