domingo, outubro 30, 2005

Espécies migratórias criam resistência ao vírus

Ana Fernandes
Matar estes animais pode piorar ainda mais a situação sem que existam certezas sobre o seu papel nesta crise
A monitorização de aves migratórias num santuário na costa ocidental de Itália constatou que estes animais desenvolveram anticorpos que lhes podem conferir resistência contra a gripe das aves, afirmou um investigador do país. Estas declarações surgem na mesma semana em que as Nações Unidas criticaram a atenção excessiva que está a ser dada à eventual responsabilidade destes animais na proliferação do vírus, falando em "histerismo" mediático. Mauro Delogu, um investigador da Universidade de Bolonha que trabalha no santuário de Orbetello, disse que 13 anos de estudos concluíram que as aves desenvolvem anticorpos que podem protegê-las contra os vírus da família H5, que por vezes surgem no Mediterrâneo. Na segunda-feira foi a vez de nove organizações internacionais, reunidas pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente, alertarem para a "histeria" que está a rodear a migração das aves selvagens. Este organismo reuniu especialistas para criar um grupo de trabalho que aprofunde a relação entre as migratórias e a disseminação da doença. Até haver resultados, pedem calma: "Estamos a perder um tempo precioso ao apontar prematuramente o dedo às aves selvagens, em vez de estarmos a focar a nossa atenção nas causas reais da doença, que podem ser encontradas na forma como se faz a criação das aves de capoeira, no movimento destas e nos métodos das explorações que concentram enormes quantidades de animais em áreas pequenas, onde se criam as condições ideias para que um vírus como o H5N1 se espalhe ou sofra mutações", disse William Karesh, da Sociedade para a Conservação da Vida Selvagem.
Pânico leva à destruição
Receando os efeitos que este histerismo pode ter na conservação das espécies e dos seus habitats, como as zonas húmidas, os especialistas consideram que as aves selvagens são, antes de mais, vítimas da doença. E que algumas espécies à beira da extinção podem desaparecer caso sejam infectadas.
O medo instalou-se na Europa e cresce o receio entre os ornitólogos de que as pessoas se virem contra as aves migratórias. O que, lembram, seria, além de um atentado, contraproducente. É que ao perturbarem os animais, que geralmente se concentram em locais conhecidos, podem alterar as rotas de migração, conduzindo-os para outras áreas onde o controlo seria mais difícil.
Mas o certo é que o alarmismo já está a gerar comportamentos destrutivos entre as pessoas. Na República Checa, por exemplo, surgiram notícias de que foram arrasados das chaminés e dos beirais vários ninhos de andorinhas, que nem sequer pertencem aos grupos de risco - que abrangem algumas espécies aquáticas. As associações internacionais de ornitologia, como a Birdlife, a Royal Society for the Protection of Birds ou a Wetlands, estão preocupadas com os efeitos que um excessivo alarmismo pode ter sobre as aves migratórias. Sublinhando sempre que não há registo de que alguém tenha apanhado o vírus H5N1 pelo contacto com estas aves - até agora tem sido sempre através de exposições prolongadas, em ambientes fechados, com aves de capoeira -, as associações alertam para os perigos de se tentar interferir com as selvagens (Publico)