Gripe das aves aproxima-se das nossas fronteiras
Os receios de uma pandemia da gripe das aves está a levar a Europa a tomar medidas extremas. Em Portugal, à semelhança da Holanda, a Direcção Geral de Veterinária já recomendou que as aves domésticas sejam mantidas nas capoeiras a partir de Setembro para evitar contactos com aves migratórias provenientes da Rússia, onde foram detectados focos da doença.
Até agora, a gripe das aves vinha atacando em força na Ásia, onde já fez dezenas de vítimas humanas este ano e levou ao abate de milhões de animais. No entanto, os focos mais alarmantes para a Europa surgiram no final de Julho na Rússia, em aviários da região de Novossibirsk (Sibéria), e semanas depois no Cazaquistão. Na mesma altura, os primeiros casos dentro da União Europeia foram detectados no aeroporto de Bruxelas. Nas bagagens de um passageiro oriundo da Ásia foram descobertas duas aves selvagens contaminadas com o vírus H5N1, a estirpe que se transmite aos humanos, o que levou o ministro alemão da Agricultura a declarar que "a gripe das aves se aproxima cada vez mais das nossas fronteiras". A possibilidade de a doença se espalhar por todo o Continente Europeu levou mesmo os responsáveis da UE a tomar algumas medidas de restrição na importação de aves daqueles países. Para evitar o contacto com as aves migratórias que estão para chegar da Rússia, o Governo holandês accionou medidas unilaterais decretando no início da semana que todos os animais de capoeira destinados a consumo estão proibidos de andar ao ar livre. Portugal seguiu o exemplo e aplicou medidas semelhantes para preparar a chegada em Setembro dos estorninhos, tordos, picanços, pombos e rolas. Em Novembro, são esperadas as aves aquáticas do Norte da Europa - patos e gaivotas. Pandemia de gripe das aves seria catastrófica Já em 2004, várias organizações internacionais e associações médicas do Ocidente vinham avisando para os riscos de uma pandemia de gripe das aves à escala global com efeitos incalculáveis para a saúde pública e a economia global. Em Novembro do ano passado, médicos norte-americanos e a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertavam para os riscos de um cenário de disseminação da doença através do globo. "Pensamos que estamos mais perto do que nunca da próxima pandemia", declarou então Klaus Stoehr, alto responsável da OMS. Na mesma altura, os responsáveis advertiam igualmente para a falta de preparação das autoridades de saúde e dos fabricantes de vacinas. Traçando um cenário catastrófico, Klaus Stoehr falou da possibilidade mais do que provável de virem a ocorrer milhões de mortos. "Em cada século houve até agora três ou quatro pandemias e não há qualquer razão para pensarmos que vamos ser poupados a essa fatalidade. Não há data para isso, mas vai haver uma nova pandemia", sublinhava o coordenador do programa da OMS contra a gripe, acrescentando a ideia, agora inquietante, de que o vírus da gripe das aves é "certamente o que está mais próximo de provocar a próxima pandemia". Por outro lado, um estudo financeiro traçou recentemente um cenário igualmente negro para a economia global. Nas previsões mais pessimistas dos analistas do grupo financeiro BMO Nesbitt Burn é referido que uma pandemia de gripe das aves poderá vir a ter repercussões semelhantes à grande depressão do século passado. "O impacto económico de uma pandemia poderá ser comparável, pelo menos durante um curto período de tempo, à grande depressão dos anos de 1930", advertiu o economista chefe do Banco de Montreal (BMO), Sherry Cooper. As autoridades médicas citadas no relatório sustentam um cenário em que é possível o desenvolvimento de uma epidemia na Ásia que posteriormente se propagará causando 50 milhões de mortos e milhares de milhões de doentes. Segundo o estudo "O guia dos investidores sobre a gripe das aves", uma pandemia poderá devastar as indústrias aérea e turística e conduzir a um número recorde de falências em todos os sectores da economia, dizimando ainda as companhias de seguros. Um dado curioso acrescentado pelo estudo revela que o comércio electrónico deverá conhecer um grande "boom" - segundo a ideia de que o "contacto" entre pessoas e regiões evitará uma maior propagação da doença. A reforçar os riscos de alerta, durante uma conferência em Fevereiro deste ano na Fundação Gulbenkian, especialistas sublinharam que se aproxima o fim do período interpandémico, estimativa segundo a qual uma pandemia surge em intervalos que podem ir dos 10 aos 50 anos, sendo que a última ocorreu em 1968. Portugal não escapa da rota do vírus H5N1 Um responsável da Direcção-Geral de Saúde (DGS) alertou recentemente para a inevitabilidade de a gripe das aves entrar no nosso país. Uma pandemia de gripe das aves "entrará mais tarde ou mais cedo em Portugal", sublinhou Mariano Ayala, durante a apresentação em Junho do Plano de Contingência de resposta do Ministério da Saúde a esse cenário. Numa perspectiva jurídica do problema, aquele responsável referiu que as medidas a tomar pelas autoridades levarão necessariamente à restrição de alguns direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, considerando que "numa situação extrema, há alguns valores constitucionais que terão que ser limitados". "Precisamos de um mecanismo de vigilância verdadeiramente fiável para controlar a entrada do vírus no país", disse Mariano Ayala, no decorrer do Fórum Luso-Espanhol para Apresentação dos Planos de Contingência para uma Eventual Pandemia de Gripe nos dois países ibéricos. Por exemplo, os motoristas de camiões TIR serão considerados um "grupo prioritário" na intervenção das autoridades sanitárias. Outra das medidas debatidas teve que ver com o reforço da capacidade laboratorial, com a "definição e operacionalização do uso de testes de diagnóstico rápido" e com o adequado "fornecimento e armazenamento de reagentes". Um outro apelo foi dirigido pelo subdirector-geral de Saúde aos órgãos de comunicação social. Francisco George pediu para que fossem divulgados os alertas da DGS, mas que fosse evitado "lançar alarmes" na opinião pública. Portugal investe 20 milhões de euros para preparar chegada da gripe Já integrado na rede de trabalho que envolve a OMS e a UE no que diz respeito à "vigilância" da gripe das aves, Portugal não deixou de tomar medidas preventivas próprias e comprou este ano 2,5 milhões de tratamentos contra uma eventual pandemia. O medicamento - cuja substância activa é o ozeltamivir - é reconhecido pelo Ministério da Saúde como o mais eficaz na prevenção da multiplicação do vírus da gripe, confirmou o subdirector-geral da Saúde, Francisco George. Os anti-virais, que deverão chegar a Portugal no final do ano, permitirão 2,5 milhões de tratamentos, o que assegura a protecção de um quarto da população portuguesa. As autoridades de Saúde pretendem assim evitar uma catástrofe sanitária que se traduziria, no mais negativo dos cenários na morte de 11 mil pessoas, caso não fossem tomadas as medidas preventivas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. Esta semana, a farmacêutica suíça Roche doou à OMS uma grande quantidade do seu medicamento Tamiflu. Suficiente para tratar três milhões de pessoas, esta reserva de anti-viral deverá constituir a primeira linha de defesa na eventualidade de uma pandemia de gripe das aves. A ameaça do vírus mutante Apesar de o vírus não ser actualmente capaz de se transmitir facilmente de homem para homem, os especialistas temem uma mutação do H5N1 a partir do cruzamento com um vírus corrente da gripe humana, o que poderia torná-lo mais transmissível. Um dos casos que centrou a atenção os cientistas ocorreu no início de 2004 no Vietname, onde três irmãos (duas raparigas e um rapaz) morreram no que se chegou a pensar que era o primeiro caso de transmissão do vírus H5N1 entre seres humanos. Testes genéticos posteriores demonstraram que tal não havia sido o caso, mas os especialistas continuam a não descartar a hipótese de o vírus da gripe das aves vir a sofrer ele próprio uma mutação genética ou a cruzar-se com um vírus da gripe comum, tornando-se mais agressivo no contacto entre humanos. Mais recentemente, os receios relacionados com a versatilidade do H5N1 reacenderam-se com a notícia de que esta estirpe mortal foi descoberta em porcos na China, o que aconteceu pela primeira vez. Dada a semelhança genética entre aqueles animais e o Homem, peritos voltaram a referir a possibilidade de ocorrer, no ser humano, uma junção entre os vírus da gripe das aves e da gripe humana clássica, da qual poderia emergir um novo vírus capaz de provocar uma epidemia planetária semelhante à gripe espanhola que fez mais de 20 milhões de mortos no século XX (RTP)
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